Apresentamos hoje a cena XIII do acto II do «novo» Um Auto de Gil Vicente, reescrito por alunos do 11.º VC.
Cena XIII (Bernardim, Gil Vicente, Parvo, Pompeu, Brígida Vaz e Pajem)
(Apenas sai Bernardim Ribeiro, levanta-se o pano do fundo e aparece a sala do trono, ricamente adereçada e iluminada. Bernardim, em trajo de moura, entra e encara com a infanta, fica suspenso algum tempo, põe a mão na fronte, depois no coração, e logo começa.)
Bernardim –
Quebrado está meu encanto
Por outro poder mais forte;
Torno outra vez à vida
Para sentir a morte.
Gil Vicente – Perdeu-se! Perdeu-se: não é aquilo! (chega-se a Bernardim, e aponta-lhe baixo) Que diabo de versos são aqueles?
Parvo (aparte) – Aqui há cousa! Esta moura… Algo de errado não está certo!
Pompeu – Eu cá não vejo nada de errado. Aquela moira até é de bom porte!
Parvo – Seu tarado! Não estou disso, parece-me que não está certo, cheira-me que aquele rapazito das saudades anda metido nisto! (em tom desconfiado)
Bernardim (entusiasmando-se) –
Viver que não era vida,
Sempre o mesmo, sem mudança,
Os desejos vivos sempre,
E sempre morta a esperança…
Gil Vicente (aparte a Pêro Sáfio) – Endoideceu. Estou perdido! E meu auto, meu nome! E os Italianos! Deus se compadeça de mim. (exaltado) Vou empurrá-lo dali para fora.
Pêro Sáfio – Deixai-o, já agora; não vos deis por achado. Vejamos em que isto pára.
(Dona Beatriz parece inquieta, e olha significativamente para Paula, que encolhe os ombros.)
Bernardim (depois de algum tempo, como quem reflete) –
Cuidei que maior tormento
Não mandava à Terra o Céu:
Há mais, há pior ainda,
E em sorte me coube: é meu.
Deste anel, que o talismã
De minha fortuna encerra,
Já que eu gozar não podia,
E agora, entregá-lo assim,
Agora obrigar-me o fado…
Gil Vicente – Já não há remédio: estou perdido. Mirem! Mirem com que cara está el-Rei!
(O Parvo levanta se rapidamente e interrompe a cena num tom elevado.)
Parvo – Parai! Parai já esta cousa, este…
Pompeu – Este auto! Ah, santa ignorância!
Parvo – Calai-vos, Pompeia! Pompeu! Pompeia-Pompeu! Pomp… Olha, tu!
Pompeu – Olha tu…
Parvo – Quem está por debaixo desta máscara é Bernardim Ribeiro! (tirando-lhe a máscara) Olhem! Enganou- nos a todos! El-Rei! Prendam-no! Ele é um aleivoso!
(Os dois envolvem se numa luta acesa.)
Manuel (separando os dois) – Mas o que vem a ser isto, em minhas cortes? Seus aleivosos, desrespeitadores, não tendes vergonha de fazer estas figuras perante vosso rei?
(Bernardim Ribeiro e o Parvo fogem entre a confusão e continuando entre açoites. D. Manuel vai atrás deles.)
Brígida Vaz (seguindo o rei) – Manuelito, Manuelito! Não vos devíeis de preocupar com estas ocorrências, vamos seguir para nossos aposentos, eles hão de se entender, querido Manuelito.
(Da varanda real vem o pajem a correr.)
Pajem – El-Rei, el-Rei! Bernardim Ribeiro está morto! Joane o matou! Vinde!
Brígida Vaz – Meu Deus! Que cousa! Ah! (desfalece)
Manuel – Pajens! Acudam, acudam! Levem-no daqui. O nosso Gil Vicente desta vez não foi feliz no fecho do seu auto. Vamos, vamos voltar à sala do trono e ver as andanças, levem Brígida Vaz para os meus aposentos.
[Em cima: Bernardim Ribeiro, em escultura de mármore de António Alberto Nunes (1891).]