Apresentamos hoje um texto narrativo elaborado a partir de uma pesquisa sobre lendas e tradições da Amazónia, em articulação com um texto de publicidade institucional, sobre a desflorestação da Amazónia. A autoria é da Mariana Coelho, do 7.º RD. Boas leituras.
Um dia para esquecer e lembrar
«Acordar! Acordar! Acordar!» – gritava o meu querido papagaio, que tanto estimo.
Ah! Pois … Nem me apresentei. Que vergonha…Olá! O meu nome é Aminata, tenho doze anos e sou uma índia de uma tribo da Amazónia, os Pithecus.
– Mas que estranho… O meu papagaio não me costuma acordar assim… O que é que se está a passar? Inami! Estás aí? – O meu irmão chama-se Inami e tem catorze anos.
– Sim, Aminata – respondeu-me ele. – O que se passa para estares aí a chamar por mim?
– O Imeri acordou-me, e isso, bem tu sabes, não é costume…
– Pois não… – concluiu o meu irmão. – O que se passa, Imeri?
«Fome! Fome! Comida! Comida!»
– Ah! Tu só queres comer e por isso é que me acordaste não é?! Pássaro mau! És muito mau! Mesmo muito mau!
– Anda lá, não te chateies com ele… Eu dou-lhe de comer e tu vais lá fora ter com a mãe e tomas o teu pequeno-almoço. Hoje é leite de coco… Vai lá… – insistiu o meu irmão.
Esqueci-me de dizer: o meu pai é o chefe da nossa tribo e é o melhor pai do mundo. A minha mãe também é a melhor mãe do mundo!
Enquanto isso, fui-me aproximando da minha mãe, que, quando reparou em mim, sorriu-me como forma de bons dias.
– Então, filhota? Bom dia! Já estás acordada? – e, enquanto falava, servia-me leite de coco, que é muito raro de encontrar, pelo menos onde a nossa tribo está localizada.
– Sim… O Imeri acordou-me… Tinha fome… – expliquei-lhe eu. – Hum… Que leite delicioso!... Como é que encontraram os cocos?
– O pai encontrou-os quando estava a caçar com os homens da tribo.
Eu vou explicar-vos como é a nossa tribo. É pequena, mas é muito agradável. Somos à volta de vinte pessoas, distribuídas por seis ou sete cabanas, que suportam cerca de quatro pessoas. E, depois, temos a cabana do nosso xamã, onde se preparam as poções, os xaropes e onde se encontra o grande totem, que é sagrado.
– Aminata, agora que já bebeste o teu leite de coco, vai à tua tia Miluhu, para te pintar a cara… A nossa tinta acabou… Depois, podes ir com o teu irmão e com o Imeri apanhar bagas para fazer mais tinta…
– Sim, claro!
Quando saí da cabana da tia Miluhu, o meu irmão e o Imeri já estavam à minha espera. O meu irmão trazia na mão um cesto para poder apanhar frutos e, também, a minha zarabatana, que é cor-de-rosa e muito bonita.
– A mãe disse que não podemos sair do caminho marcado, pois a floresta é perigosa, a vegetação é densa…
– Sim, como de costume…
Lá fomos nós para o coração da floresta.
– Uf, mas que calor… – exclamei eu.
– Tens razão… Hoje está mesmo muito calor, mais do que o costume…
Estávamos nós entretidos a procurar bagas para fazermos tinta quando começamos a ouvir vozes:
– Começamos por este lado onde as árvores são mais valiosas e os industriais vão pagar bem por estas belezas!
Enquanto os homens conversavam entre si, o Inami, o Imeri e eu escondemo-nos atrás de umas plantas altas para que não nos conseguissem ver, mas nós víamos todos os seus movimentos.
Um dos homens era magro e alto, e parecia ter autoridade sobre o outro, que era gordo e atarracado.
– Então, vamos ao trabalho, Quim? – perguntou o magro.
– Vamos lá – respondeu o outro.
– Inami, vamos sair daqui, não os quero ver a cortar estas pobres árvores … – implorei eu.
– Sim, é melhor, Aminata.
Silenciosamente, levantámo-nos e saímos daquele sítio.
Continuámos a andar e, passados uns momentos, ouvimos o estrondo de uma árvore a cair. Começámos a correr e só parámos quando chegámos à nossa aldeia.
– Socorro! – gritei eu.
– Que se passa?! Que se passa?! – gritavam várias pessoas ao mesmo tempo.
O meu irmão, calmamente, explicou o que tinha sucedido, deixando toda a gente espantada e, ao mesmo tempo, preocupada. No fim, quando o relato do Inami terminou, o meu pai deu uma ordem:
– Homens, agarrem nas zarabatanas e nas lanças e venham comigo. Inami, tu vais à frente mostrar o caminho.
– Também quero ir, pai! – pedi eu.
– Não, Aminata, tu ficas aqui com a mãe e com as mulheres da tribo.
– Mas eu… – protestei.
– Não – interrompeu o meu pai –, já fizeste que chegue, agora ficas aqui. Mando eu.
Cedi, pois não tinha outra alternativa.
Chegada a noite, o meu pai, o meu irmão e os homens da tribo regressaram ao acampamento.
– Com as nossas zarabatanas e com as lanças estragámos-lhes as máquinas. Amanhã já não poderão trabalhar.
– Cortaram muitas árvores? – inquiriu a minha mãe.
– Poucas, mas as que cortaram são as melhores.
– Pai, amanhã queres que faça vigia? – perguntou o meu irmão, que, até àquela altura, tinha estado calado.
– Sim, mas levas o Imeri, e, se precisares, mandas uma mensagem por ele.
– Pai, mãe, posso ir com Inami? – pedi eu.
– Não. É muito perigoso, Aminata. Não podes ir – declararam os meus pais.
No dia seguinte, o meu irmão partiu bem cedo para o local, chegando à tardinha com más notícias.
– Ainda estão lá e têm máquinas mais potentes.
– Amanhã haverá guerra – declarou o meu pai.
Os homens assentiram e estiveram até altas horas a preparar uma estratégia para combaterem.
Horas mais tarde, o sol nasceu como sempre e os homens aprontaram-se. Vestidos e pintados a rigor, preparam-se para partir.
– Mãe, o Inami vai?
– Sim, filha.
– Vai correr tudo bem, não vai?
– Claro que sim. Eles vão regressar sãos e salvos.
Despedi-me deles e desejei boa sorte.
Já à noite, os homens regressaram tristes. E…
– Pai, o Inami? – perguntei eu, inqueta.
– Sim, o Inami? – perguntou, também, a minha mãe.
– O Inami atirou a flecha contra um dos homens, mas… O homem tinha uma arma e… Deu-lhe um tiro e…
– E? – perguntei, aflita.
– Ele morreu…
– NÃO ! O INAMI NÃO! – gritei eu a chorar.
– Filha, tem calma …
– NÃO! ELE NÃO MORREU…
– É verdade…
O meu pai agarrou-me a mim e à minha mãe, num abraço forte. Foi a primeira vez que percebi o que o xamã um dia me tinha dito: «Um dia vais sentir que a força do amor se manifesta de muitas formas». Aquele abraço não era só do meu pai. O Inami estava ali e eu podia sentir os braços dele, também.
– Ele vai olhar por nós sempre… Um dos homens morreu e o outro foi embora com a promessa de não mais cá voltar.
Nessa noite, uma estrela brilhou mais forte no céu… E eu passei a olhar sempre para ele, quando precisava de um abraço do meu irmão…
Mariana Coelho