Toma hoje a palavra o Mário Oliveira, do 11.º VC, que nos propõe uma cuidada reflexão sobre a fundamental importância da leitura no desenvolvimento da capacidade de escrita. É mais um texto que deve ser lido e relido.
Na presente sociedade, é extremamente importante sublinhar aspetos essenciais, detalhes meritórios, e eu sinto que o assunto da leitura, integrada na escrita, não tem a visibilidade necessária. A leitura e a escrita vêm a ser fatores fundamentais para a inserção do ser humano na sociedade atual. O ato de ler compromete de forma extremamente benéfica o nosso dia-a-dia. Ler é, de facto, um pouco como viajar, é um pouco como amplificar as sensações, os sentimentos, é experienciar uma vida para além da nossa. Ler é o paradoxo de andar estando parado, de ver um mundo inteiro apenas seguindo um conjunto de letras, é o pleonasmo de entrar para dentro, não só de um livro, não só de um outro ponto de vista, mas também de uma outra dimensão.
Para muitos, a palavra leitura, equiparada a escrita, designa um ato quase impossível, mas, apesar disto, estes dois são extremamente importantes. A leitura é, realmente, uma tarefa essencial, é algo que devemos e, arrisco-me a dizer, temos de fazer. Ela ajuda-nos primeiramente a interiorizar métodos e a ter contacto com formas bem redigidas que, no futuro, serão, até inconscientemente, integradas nas nossas próprias redações. Lembro-me perfeitamente, em tempos de descoberta, onde ainda era prematuro o meu conhecimento, de ouvir palavras novas e, involuntariamente, usá-las em todos os momentos propícios, como se a palavra que usara outrora fosse substituída por uma melhor. Ao lermos acontece o mesmo, abdicamos de hábitos textuais passados em prol de novos e melhorados, que nos chegam através do decorrer visual das páginas de Eça de Queirós, Fernando Pessoa ou qualquer outro autor.
Convém referir que a leitura não nos transmite apenas isto, métodos e regras corretas, a leitura é o expressar de ideias, é o culminar de um pensamento crítico e enriquece-nos ao ponto de, quando fechado um livro, depois da sua leitura, sermos capazes de ver o mundo através dos olhos críticos e pensativos de quem se manifesta sobre o presente, o passado e o futuro. Enriquece-nos ao ponto de, numa posterior iniciativa de escrita, já com novos métodos e regras atualizadas, talvez nos acompanhar também um processo lógico diferente, pois abordamos os temas aos nosso olhos e aos olhos de quem já os abordou outrora. Como quem lê O Perfume, de Patrick Süskind, e, por instantes, na pele de um assassino, percebe o que o move, os seus motivos e a sua ambição inquebrável, facto que nos fará pensar como um quando necessário, e que nos determinará uma qualidade de escrita significativamente mais acentuada.
Tudo isto são exemplos de uma matéria essencial, o assunto da escrita diretamente proporcional ao da leitura. O facto de nos considerarmos competentes no que fazemos não impede que sejamos melhores. E mesmo que consigamos pôr numa folha tudo o que pensamos, tudo o que sentimos e tudo o que pretendemos sentir, ao sabor do que os outros sentem, usando a arte de bem ler para posteriormente bem escrever, quem nos lê irá presenciar uma escrita inspirada numa leitura visionada por mais do que um visionário. Para toda a causa existe uma consequência, e é por causa da leitura que a escrita é uma consequência tão distante de limites, tão afastada de conceções restritivas, tão cuidadosamente aprimorada, tão importante.
Mário Oliveira
[Em cima: Miss Auras, de John Lavery.]