Vamos publicar em duas partes um conto elaborado pela Inês Melo e pelo Jorge Ferreira, alunos do 10.º D, que o construíram na sequência de um trabalho na disciplina de Português. Num blogue tão frequentemente dedicado à poesia, ocupar-nos-emos agora um pouco da ficção. Esperemos que os nossos leitores apreciem a qualidade deste texto.
Nuno acordou com a luz do sol vinda da grande janela de vidro do seu quarto a bater-lhe nos olhos. A princípio não conseguiu descodificar onde estava, percebeu apenas que tinha uma enorme dor de cabeça. Olhou à volta e viu três garrafas de vodka vazias, espalhadas pelo quarto, e aí começou a ter algumas memórias da sua noite.
Tinha bebido para esquecer, para dormir, para simplesmente deixar de lado todos os demónios que o atormentavam: o maior, não havia dúvida, era a sua ex-mulher.
Pusera-o fora de casa há mais de meio ano e pedira o divórcio. Helena sempre fizera tudo por Nuno: ia às entrevistas, às sessões de autógrafos das publicações dos livros (cada vez mais escassas), aos jantares das editoras, sempre com um sorriso e de bom grado. Mas Nuno não lhe pagara na mesma moeda. As viagens ao fim de semana com os amigos, as marcas de batom nos colarinhos das camisas, os brilhantes no carro… Helena compreendia muitíssimo bem o que aquilo significava, mas, por muito que lhe custasse, ignorava. Achava que Nuno iria ver o quão mal estava a agir e mudar, ser um marido e um pai presente.
Mas, um dia, foi a gota de água. Depois das aulas, Joana, a sua filha, tinha ido para casa de uma colega, filha da melhor amiga de Helena, Clara. Entraram em casa e, apesar de terem visto o carro de Clara à porta, não encontraram ninguém.
– Mãe? – chamou a colega de Joana enquanto subiam as escadas para o andar superior, onde eram os quartos. – Talvez esteja a descansar...
Nisto, abriram a porta do quarto de Clara e, junto dela, na cama, estava Nuno.
Após o escândalo, as vendas dos seus livros caíram ainda mais e o que recebia destas mal chegava para pagar a renda do apartamento.
A vida de Nuno estava um autêntico caos.
Levantou-se com dificuldade e começou a apanhar a roupa que estava espalhada pelo chão do quarto quando o telefone tocou.
– Sim? – disse Nuno, com uma voz bastante afectada.
– Sr. Nuno Vasconcelos? – respondeu uma voz feminina do outro lado.
– Sim…
– Fala a Sofia, da editora. Era só para o relembrar que tem de entregar o esboço do seu livro até ao final do mês. Como está a correr a escrita?
«Editora? Esboço do livro? Final do Mês?», pensou Nuno.
– Está a correr bem, tão depressa que ainda não a apanhei… – respondeu Nuno um tanto quanto atrapalhado.
– Oh, sr. Nuno, sempre com as suas piadas. Está livre logo à noite? – perguntou a tal Sofia.
– Não – disse Nuno secamente.
– Tem a certeza? Olhe que…
– Adeus – e desligou o telefone.
Isto de rejeitar convites de mulheres atraentes (pela voz Sofia parecia atraente) era novidade para Nuno, mas neste momento achava que tinha mais com se preocupar do que com uma noite bem passada. Bom, estávamos no início do mês, por isso, hipoteticamente, Nuno ainda tinha tempo para escrever um livro.
Sem empregada e mulher em casa, o apartamento de Nuno estava uma confusão, mas este decidiu passar a tarde a ver televisão e a pensar num tema para o livro. Nenhum programa lhe despertava especial interesse, por isso deixou num canal qualquer. O tempo foi passando e, sem dar por isso, Nuno adormeceu.
Quando acordou, já era noite e estava a dar o noticiário. Havia uma polémica recente sobre pedofilia entre padres e jovens seminaristas, algo mesmo sério. Tinham sido descobertos uma série de casos só em Portugal, mas o fenómeno espalhava-se por toda a Europa e talvez pelos Estados Unidos. Nuno pôs-se a reflectir sobre o assunto: «Pedofilia na Igreja… Talvez seja interessante para o livro. As águas estão agitadas, é um tema na ribalta, acho que faria sucesso…»
E, a partir dessa noite, Nuno dedicou-se quase na totalidade apenas ao seu novo livro, que, segundo o que o próprio pensava, podia ser um best-seller. Os seus dias eram passados a escrever: parágrafo por parágrafo, página por página, capítulo por capítulo, até que, na data definida, estava pronto.
[continua]